domingo, 26 de julho de 2015

Conto - Alinhamentos


Conto - Alinhamentos

O ambiente era requintado: luzes indiretas, música suave, plantas ornamentais delicadas, carpete aveludado, móveis aristocráticos, perfume no ar de temperatura artificialmente mantida amena.
Sala cheia: metade pacientes; metade acompanhantes.
Um homem de postura irrepreensível, aparência sóbria, gestos estudados, olhar austero e percuciente, contrastava com sua acompanhante, esta, uma jovem de expressão abatida, gestos curtos e nervosos, denunciando aflição intensa...
O homem, herdeiro de grandes posses e de muitos janeiros, algo distante do frontal da velhice.
À sua frente, dentre tantas outras pessoas, havia uma senhora, de semblante equilibrado, mas tenso, movimentos poucos, programados, muito bem vestida, denotando deter apreciável condição financeira.  Beirava já quase os quarenta anos de idade.
Acompanhando essa senhora, uma jovem, assim como a que estava ao lado daquele senhor: semblante tímido, deixando à mostra a carga de problema de difícil solução.
Da mesma forma aparentavam ser os demais componentes daquele grupo, naquela sala de espera: bem postos, mas carregando pesados fardos íntimos, invisíveis pois, mas... quase exteriorizados.
Comandava aquele consultório, eminente e famosa médica, que optara pela ginecologia e depois de tropeços iniciais em sua carreira profissional, tropeçara também na realidade e na antevisão do futuro desprovido de bens terrenos.  Após tais tropeços, por sua vez atropelou a consciência e transformou-se em terrível veículo do mal, praticando, ao arrepio da lei, dezenas de abortos ao mês, centenas ao ano.  Com isso, "resolvia" complicados problemas da sociedade, no que ela tem de irresponsável e de dissoluta.
O referido homem trazia moça por ele desencaminhada e a senhora trazia aquela que por antecipar fatos, perdera o direito de ser-lhe nora.
Ao fim do dia, mais dois, dentre tantos Espíritos  revoltados, tiveram bruscamente interrompida sua promissora viagem rumo à encarnação. Retornaram amargurados, feridos, revoltados e vingativos a regiões cinzentas da psicosfera da Terra. A caridade de Jesus acolheu-os.
O homem, maduro e rico, sem família, atraiu-se pela senhora de aspecto honrado e elegante, a qual, sendo viúva, deixou-se também atrair.  Casaram-se...  Brindou-lhes o destino com o nascimento de filhos gêmeos.  Filhos esses que, embora tratados com o máximo de proteção e afeto, nem por isso se mostravam gratos.
Anos depois, acometidos o casal, simultaneamente, por meningite encefálica, necessitando de medicamento específico a ser-lhes aplicado, no auge da crise, à noite, os filhos, deliberadamente não o ministraram.  Cometeram voluntário parricídio, em cumplicidade... que a lei terrena não logrou identificar.
Dois Espíritos, amargurados e feridos, foram catapultados para regiões cinzentas da psicosfera terrena... A caridade do Divino Amigo acolheu-os.
Muitos anos depois aqueles filhos se casaram.
Cada um, a seu tempo, recebeu a dádiva de um filho:  num lar, um filho, noutro, uma filha.  O destino, alinhando atalhos tortuosos e dispersivos, indutores ao erro, reconduziu, pela terceira vez, aqueles quatro companheiros de tantas e tantas jornadas passadas, conjuntamente delituosas. Sendo reciprocamente devedores, a convivência no lar e as bênçãos do amor maternal, paternal e filial, pacificou-lhes os descaminhos do passado e redimiu-lhes a culpa.
Os pais, já idosos, fundaram lar assistencial a órfãos e mães solteiras.
Os filhos, primos entre si, formados em Medicina, conduziram o ambulatório médico da instituição, sempre favorecendo gestantes.
Foi nomeada diretora administrativa da instituição uma jovem recém formada em enfermagem e em Assistência Social e que por isso, quase sempre, era a primeira pessoa a abrigar nos braços, dezenas de vezes ao mês, centenas de vezes ao ano, as crianças recém chegadas à luz...
Outro alinhamento ocorrera, eis que com o desencarne prematuro da famosa médica ginecologista, agora ela retornava, justamente em lides terrenas pediátricas e estava ali, sentinela atenta dos viajores que chegavam ao mundo, muitos dos quais já com a paternidade perdida. Mas com a vida garantida! 
Maria, Mãe, fortaleça nossa disposição em mantermo-nos alinhados ao Bem!

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(Mensagem do Espírito Dulcinéia, psicografia do médium Eurípedes Kühl, do livro Âncoras de Luz, 2003, Editora LEB  -  Edição esgotada)

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