Jesus
e os Evangelhos
Com a aproximação do Natal, considero útil relembrar alguns
apontamentos extraídos do Novo Testamento, em particular dos Evangelhos,
versando sobre a vida de Jesus: o Excelso Mestre!
Em dezembro/2020 revisei o texto já publicado em 19/05/2019 no meu blog
e no facebook, nele acrescentando pequenas alterações, que em nada negam o
original.
O Novo Testamento, escrito em grego, compreende os quatro Evangelhos
(Marcos, Lucas, Mateus e João), os Atos dos Apóstolos, as Epístolas de São
Paulo, São Tiago, São Pedro, São João e São Judas – e o Apocalipse, de São
João. Aqui, apenas reflexões sobre as lições de Jesus.
Citados Evangelhos foram escritos muitos anos após a morte de Jesus.
Dos evangelistas é tido como verdadeiro que apenas João e Mateus conheceram o
Cristo pessoalmente.
Marcos registrou apontamentos de Pedro; Lucas,
os de Paulo.
Mas, no Novo Testamento não constam apenas apontamentos
dos Evangelistas: muitos textos foram reunidos de narrações orais, de outras
pessoas. Justificadas, pois, as dúvidas existentes quanto à autoria evangélica
de algumas frases de Jesus. Exemplos:
1. Encontramos em Marcos: “os sãos não
precisam de médico, e, sim, os doentes” (2:17); acontece que esse mesmo
provérbio é encontrado em textos dos escritores gregos Diógenes Laercio (séc.
III d.C.) e Plutarco (séc. I d.C.); difícil
identificar o autor, dentre os três;
2. Encontramos
no Antigo Testamento, bem como no Novo, várias
citações similares, sintezando magistralmente a Justiça Divina:
a. "Porque,
segundo a obra do homem, ele lhe paga; e
faz que cada um ache segundo o seu caminho”. (Livro de Jó, 34:11);
b. “A ti também,
Senhor, pertence a misericórdia, pois retribuirás a cada um segundo a sua obra”. (Salmos, 62:12).
c. “Não pagará
ele ao homem conforme a sua obra?”.
(Provérbios, 24:12);
d. “Julgar-vos-ei
a cada um conforme os seus caminhos”.
(Ezequiel, 33:20);
e. “Porque o
Filho do homem virá na glória de seu Pai, com os seus anjos; e então dará a
cada um segundo as suas obras”.
(Jesus, no Evangelho de Mateus, 16:27).
Os textos bíblicos que temos às mãos foram
declarados a versão oficial da Igreja Romana pelo Concílio de Trento, em 1546.
Na verdade, foi Jerônimo (347-419 ou 420), padre
e doutor daquela Igreja, que, atendendo pedido do Papa Dâmaso, em 382, iniciou
a revisão do texto latino da Bíblia. Ante as incontáveis controvérsias
teológicas surgidas para o Novo Testamento, Jerônimo abandonou o texto latino
existente (a Vetus Latina) e realizou uma nova tradução; para o Antigo Testamento, o monge decidiu traduzi-lo diretamente
do hebraico, com exceção dos Salmos, dos quais fez duas diferentes revisões do
texto da Vetus Latina. Jerônimo confessou que corrigiu e modificou os textos antigos.
Essa tarefa teria demandado a Jerônimo quarenta sofridos anos.
Léon Denis (1846-1927), em sua obra Cristianismo
e Espiritismo[1], consigna que Jerônimo sentiu-se
extremamente dificultado para escolher, dentre tantos textos, quais os mais
sensatos.
Aliás, consta que teria se recolhido num
mosteiro de Belém, para realizar a sagrada tarefa de “reconhecer”, dentre as
cerca de quarenta versões evangélicas existentes, quais as autênticas.
Léon Denis transcreve as palavras de Jerônimo
ao Papa Dâmaso:
“Da
velha obra me obrigais a fazer obra nova. Quereis que, de alguma sorte, me
coloque como árbitro entre os exemplares das Escrituras que estão dispersos por
todo o mundo, e, como diferem entre si, que eu distinga os que estão de acordo
com o verdadeiro texto grego. É um piedoso trabalho, mas é também um perigoso
arrojo, da parte de quem deve ser por todos julgado, julgar ele mesmo os
outros, querer mudar a língua de um velho e conduzir à infância o mundo já
envelhecido”.
Após outras
considerações, conclui Jerônimo:
“Depois de haver comparado
certo número de exemplares gregos, mas dos antigos, que se não afastam muito
da versão itálica, combinamo-los de tal modo (ita calamo temperavimus) que,
corrigindo unicamente o que nos parecia alterar o sentido, conservamos o resto
tal qual estava”.[2]
Após essa tradução oficial, por volta do ano 386, sofreu novas
alterações no Concílio Ecumênico de Trento, em 1546. Em 1590, porém, foi o
texto considerado insuficiente e errôneo, pelo Papa Sixto V, que ordenou nova
revisão. A edição que daí resultou igualmente foi modificada por Clemente VIII
(Papa de 1592 a 1605), sendo aquela que atualmente conhecemos. Mas, por causa
das várias traduções a que vem sendo submetida, tem seu texto da mesma forma
alterado em alguns pontos.
Em Jesus e
sua Doutrina, editado em 1934, pela Federação Espírita Brasileira, A.
Leterre, num monumental trabalho de pesquisa sobre as consequências da presença
de Jesus encarnado, narra sobre a veracidade dos Evangelhos:
– No Concílio de Niceia, 318 bispos e
arcebispos não haviam conseguido, ao cabo de alguns anos de acaloradas
discussões, em que ferviam epítetos insultuosos, chegar a um acordo pelas
incoerências e contradições verificadas naqueles escritos (30 alfarrábios e
muitos outros apócrifos).
– em consequência, o Papa resolveu o
seguinte:
“Colocar-se-iam debaixo do altar todos aqueles
alfarrábios, o Cenáculo se concentraria (como nas sessões espíritas),
invocar-se-ia o Espírito do próprio Cristo, e se lhe pediria indicar, por um
milagre, qual ou quais daqueles livros deveriam ser considerados verdadeiros”.
– assim foi feito; os livros foram atirados
para baixo do altar, a invocação se fez, e... após um tempo mais ou menos
longo... apareceram sobre o altar os quatro livros que hoje servem de colunas
sustentatórias da tiara do Papa: os de Mateus, Marcos, Lucas e João.
Antônio Lima, em Vida de Jesus, 1ª Ed., 1939, FEB, RJ/RJ, comenta sobre tal fato que
o mesmo não poderia ser tido à conta de fiel, pois nos únicos Concílios de
Niceia (anos de 325, 326 e 787) o tema não foi tratado.
Seja como for, a tarefa de que se desincumbiu
São Jerônimo leva-nos à certeza de que não estava só: Mensageiros do Cristo,
talvez sob inspiração d’Ele, acompanharam o paciente religioso, para que as
sublimidades do Mestre não se perdessem, antes, ficassem registradas para o
porvir.
Não será demais, também, conjecturarmos que o
Papa Dâmaso esteve sob luminosa inspiração, ao preocupar-se com a separação do
joio e do trigo, ante tantas versões do ensinamento cristão que eram
insistentemente expostas ao fiéis.
De qualquer forma, temos que, após o
meticuloso trabalho de São Jerônimo, a nova tradução dos textos sagrados foi
denominada Vulgata (do Latim vulgatus = popular, divulgado).
O primeiro grande livro impresso em Mainz/Alemanha por Gutenberg, em
1456, foi a Vulgata.
Os textos evangélicos do Novo Testamento são compostos de cinco
partes:
– atos comuns da vida de Jesus;
– os
milagres;
– as
profecias;
– as palavras sob as quais se formaram os dogmas da
Igreja;
– o
ensinamento moral.
Para o
Espiritismo, contudo, apenas a quinta parte é o que importa nos Evangelhos,
pela mensagem moral nela contida, trazida por Jesus.
Com efeito, somente a quinta parte, relativa
à moral cristã, manteve-se una, indivisível, inatacável – em todos os textos,
de todos os evangelistas e assim chegou até nós, com o mesmo sentido, em todas
as religiões cristãs.
Por isso, a moral cristã é a bandeira sob a
qual todos os povos poderão se unir e se abrigar, amando-se uns aos outros,
sendo felizes, todos.
Allan Kardec, ao elaborar O Evangelho
Segundo o Espiritismo (1864), teve o cuidado de utilizar apenas essa parte
do Novo Testamento.
É tão fulgurante a palavra de Jesus, são tão
sublimes seus exemplos, sobre os quais há unanimidade narrativa, que nos diz
a razão que os textos do Novo Testamento, apesar de todas as retificações,
trazem em seu bojo a luz incomparável do Mestre.
De
tamanha magnitude é essa luz que atravessa todas as brumas do pensamento,
sobrevive a todas as revisões e projeta suas claridades através dos milênios,
nada havendo, em todo o Universo, que a possa embaçar.
Notas extraídas do meu livro “Fragmentos da História pela ótica espírita”, cap. 2, 1996
Edição esgotada, mas em e-book grátis, no meu blog e Ed.EVOC/Londrina-PR
[1] - “Cristianismo e Espiritismo, Leon Denis, cap. II (Autenticidade dos Evangelhos), p. 31-32, 9ª Ed., 1992, FEB
[2]
- Citação em “Obras de São Jerônimo”, Ed. Beneditinos, 1693, t. I, col. 1425
(constante da p. 32 do livro de Léon Denis “Cristianismo e Espiritismo”, já
citado)
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