Homens e fera:
amigos!
- Um cientista e suas cascavéis
Em
1993, 1997 e 2000, no Campus da USP-RP, entrevistei o Prof. Dr. Carlos
Júlio Laure (1933-2008), então do Departamento de Bioquímica da Faculdade de
Medicina, daquela Universidade.
O
Prof. Dr. Laure, em 1975, trouxe uma cascavel com 10 anos, do serpentário de
Santa Cruz do Rio Pardo/SP. A cobra recebeu o apelido de “Menina” e conviveu 16
anos no ambiente de trabalho daquele cientista. Como toda cascavel, possuía
duas presas potentes, sendo que seu veneno foi extraído apenas uma vez. De
forma impressionante, a cobra afeiçoou-se ao homem, que a tratava com respeito,
atenção e até com carinho.
Como
prova de confiança recíproca, a cobra ficava solta no laboratório do Professor,
isso quando apenas ele estava no mesmo. Com o tempo, a confiança evoluiu para
amizade. O Professor, a título de brincadeira, com o rosto quase encostado na
cabeça da cobra, passava água para a boca do animal, com um canudinho à mão,
desses usados em refrescos. Fotos e vídeos comprovam tais fatos. O cinegrafista
da TV-Globo que produziu um vídeo, em tom de brincadeira, vendo a cobra beber
água dessa forma insólita, brincou: “que bom que ela não tem mais as presas,
não é, Professor?”. Ao ser mostrado, com a maior naturalidade, que as presas
estavam bem no lugar que Deus as colocou, saiu correndo e consta que até hoje
não retornou ao laboratório.
Em
1991, vítima de um tumor intestinal, a despeito de todos os cuidados, “menina”
morreu.
Alguns
anos antes de “Menina” morrer, o Prof.Dr. Laure “adotou” outra cascavel —
“Menino” —, que se mostrou igualmente amistosa, pois a cobra, tranquilamente,
permitia que ele passasse a mão em seu dorso. As duas cobras, formando um casal
pacífico, foram mantidas em box com tela no laboratório do Professor Doutor Laure.
Pouco
tempo após “Menina” morrer, o companheiro dela, não resistindo à solidão,
morreu também.
Cumpre
destacar que as cobras foram enterradas dignamente pelo homem que lhes devotou
carinho, respeito e amizade, sentimentos esses que foram recíprocos.
NOTA: Em Abril/2000, foi minha vez: dessa vez visitei o Prof.Dr. LAURE em
seu laboratório, na Faculdade de Medicina do Campus da USP/Ribeirão Preto-SP e
fiquei pasmos com o que vi: uma cascavel, adulta, muito bem instalada, num
confortável e asseado recipiente, sem tampa (!), deixou Laure acariciá-la, após
ouvir dele palavras meigas.
O
Prof. Dr. Carlos Júlio Laure, então com 66 anos, era cientista de renome
internacional, tendo os seguintes títulos:
- Professor Universitário de Bioquímica
- Membro da Academia Paulista de Ciência
(são cerca de 280 os membros)
- Membro da I.S.T. - International Society on Toxinology, com sede na Inglaterra,
Oxford, Nova York, Seoul e Tóquio
- Professor convidado do Max-Planck Institute Für Experimentalle
Medizin, Gottinger/Alemanha.
NOTA: Um dos seus trabalhos consistiu na purificação da
crotamina (um dos componentes do veneno da cascavel), descoberta pelo Prof. Dr.
Moura Gonçalves, também da USP-RP. Até então, a crotamina apresentava efeitos
secundários, pois seu grau de pureza não era integral; isolando-a, o Prof.Dr. Laure
conseguiu alcançar estágio de pureza de 100%.
A crotamina vem
sendo empregada como modelo experimental que reproduz os sintomas da miotonia
congênita, doença observada nos EUA e Europa, que provoca contrações
involuntárias de músculos. As experiências atuais podem levar à descoberta de
uma droga para atenuar ou mesmo curar essa enfermidade.
(Cumpre destacar que o mundo todo busca descobrir
tal droga).
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Do
livro “Animais, Nossos Irmãos”, Eurípedes Kühl, cap.
16 (Amor e respeito aos animais),
Edição especial em 2015, comemorativa dos vinte anos de edições ininterruptas, desde
a primeira edição, PETIT Editora,
SP/SP.
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