domingo, 19 de maio de 2019

Artigo - O Novo Testamento


O Novo Testamento
- Notas históricas -

O Novo Testamento com­preende os quatro Evangelhos (Mateus, Marcos, Lucas e João), os Atos dos Apóstolos, as Epístolas de São Paulo, São Tiago, São Pedro, São João e São Judas – e o Apoca­lipse, de São João.
Todos os Evangelhos foram escritos muitos anos após a morte de Jesus. Dos evangelistas é tido como verdadeiro que apenas João e Mateus conheceram o Cristo pessoalmente. O Evangelho de Lucas provavelmente foi escrito por volta de 50 a 65 d.C.. O Evangelho de Marcos é tido como o mais antigo: data do ano 70 da nossa era, mas Emmanuel informa, no livro Paulo e Estêvão, que Marcos era ainda adolescente quando já circulavam e eram copiadas as anotações de Levi, como era conhecido o apóstolo Mateus.
Os textos foram reunidos com base em narrações orais, feitas por outras pessoas. Justificadas são, pois, as dúvidas existen­tes quanto à autoria evangélica de algumas frases de Jesus.
Eis um exemplo registrado em Marcos: “os sãos não precisam de médico, e, sim, os doentes” (2:17). Ocorre que esse mesmo provérbio é encontrado em textos dos escritores gregos Diógenes Laercio (séc. III d.C.) e Plutarco (séc. I d.C.).
Difícil identificar o autor, dentre os três.
Os textos bíblicos que temos às mãos foram declara­dos a versão oficial da Igreja Romana pelo Concílio de Trento, em 1546.
Na verdade, foi Jerônimo (347-419 ou 420), pa­dre e doutor da Igreja, que, atendendo a um pedido do Papa Dâmaso, em 382, iniciou a revisão do texto latino da Bíblia. Ante as incontáveis controvérsias teológicas surgidas para o Novo Testamento, Jerônimo abandonou o texto latino existente (a Vetus Latina) e realizou uma nova tradução. Para o Antigo Testamento, o monge decidiu traduzi-lo diretamente do hebraico, com exceção dos Sal­mos, dos quais fez duas diferentes revisões do texto da Vetus Latina. Jerônimo confessou que corrigiu e modifi­cou os textos antigos. Essa tarefa teria demandado a Jerônimo quarenta sofridos anos.
Léon Denis (1846-1927), em sua obra Cristianismo e Espiritismo[1], consigna que Jerônimo sentiu-se ex­tremamente dificultado para escolher, dentre tantos tex­tos, quais os mais sensatos.
Consta que Jerônimo ter-se-ia recolhido num mosteiro de Belém, para realizar a sagrada tarefa de “reconhecer”, dentre as cerca de quarenta versões evan­gélicas existentes, quais as autênticas.
Léon Denis transcreve as palavras de Jerônimo ao Papa Dâmaso:
 “Da velha obra me obrigais a fazer obra nova. Quereis que, de alguma sorte, me coloque como árbitro entre os exemplares das Escrituras que estão dispersos por todo o mundo, e, como diferem entre si, que eu dis­tinga os que estão de acordo com o verdadeiro texto gre­go. É um piedoso trabalho, mas é também um perigoso arrojo, da parte de quem deve ser por todos julgado, julgar ele mesmo os outros, querer mudar a língua de um velho e conduzir à infância o mundo já envelhecido”.
Após outras considerações, conclui Jerônimo:
“Depois de haver comparado certo número de exempla­res gregos, mas dos antigos, que se não afastam muito da versão itálica, combinamo-los de tal modo (ita calamo temperavimus) que, corrigindo unicamente o que nos pare­cia alterar o sentido, conservamos o resto tal qual es­tava”. [2]
Após essa tradução oficial, por volta do ano 386, o texto sofreu novas alterações no Concílio Ecumênico de Trento, em 1546. Em 1590, porém, foi o texto considerado insu­ficiente e errôneo pelo Papa Sixto V, que ordenou nova revisão. A edição que daí resultou igualmente foi mo­dificada por Clemente VIII (Papa de 1592 a 1605), sendo essa a que atualmente conhecemos. Mas, por causa das várias traduções a que vem sendo submetida, tem seu tex­to da mesma forma sido alterado em alguns pontos.
Em Jesus e sua Doutrina, editado em 1934 pela Federação Espírita Brasileira, A. Leterre, num monumental trabalho de pesquisa sobre as consequências da presença de Jesus encarnado, narra sobre a veracidade dos Evan­gelhos:
No Concílio de Niceia, 318 bispos e arcebispos não haviam conseguido, ao cabo de alguns anos de acalo­radas discussões, em que ferviam epítetos insultuosos, chegar a um acordo pelas incoerências e contradições verificadas naqueles escritos (30 alfarrábios e muitos outros apócrifos).
Em consequência, o Papa resolveu o seguinte:
 “Colocar-se-iam debaixo do altar todos aqueles alfarrábios, o Cenáculo se concentraria (como nas ses­sões espíritas), invocar-se-ia o espírito do próprio Cristo, e se lhe pediria indicar, por um milagre, qual ou quais daqueles livros deveriam ser considerados verdadeiros”.
Assim foi feito; os livros foram atirados para baixo do altar, a invocação se fez, e após um tempo mais ou menos longo apareceram sobre o altar os quatro livros que hoje servem de colunas sustentatórias da tia­ra do Papa: os de Mateus, Marcos, Lucas e João.
Antônio Lima, em Vida de Jesus, 1ª Ed., 1939, FEB, RJ/RJ, comenta sobre tal fato que ele não poderia ser tido à conta de fiel, pois nos Concílios de Niceia (anos de 325, 326 e 787) o tema não foi tratado.
Seja como for, a tarefa de que se desincumbiu São Jerônimo leva-nos à certeza de que não estava só. Men­sageiros do Cristo, talvez sob inspiração d’Ele, acompa­nharam o paciente religioso, para que as sublimidades do Mestre não se perdessem, antes, ficassem registradas para o porvir.
Não será demais, também, conjecturarmos que o Papa Dâmaso esteve sob luminosa inspiração, ao preocupar-se com a separação do joio e do trigo, ante tantas versões do ensinamento cristão que eram insistentemente expostas ao fiéis.
De qualquer forma, temos que, após o meticuloso tra­balho de São Jerônimo, a nova tradução dos textos sagra­dos foi denominada Vulgata (do Latim vulgatus = popu­lar, divulgado). O primeiro grande livro impresso em Mainz/Alemanha por Gutenberg, em 1456, foi a Vulgata.
Os textos evangélicos do Novo Testamento são com­postos de cinco partes: atos comuns da vida de Jesus; os milagres; as profecias; as palavras sobre as quais se formaram os dogmas da Igreja; o ensinamento moral.
 Para o Espiritismo, contudo, apenas a quinta parte é o que importa nos Evangelhos, pela mensagem moral nela contida, trazida por Jesus.
Com efeito, somente a quinta parte, relativa à mo­ral cristã, manteve-se una, indivisível, inatacável – em todos os textos, de todos os evangelistas, e assim chegou até nós, com o mesmo sentido, em todas as religiões cristãs.
Por isso, a moral cristã é a bandeira sob a qual todos os povos podem se unir e se abrigar, amando-se uns aos outros, sendo felizes todos.
Allan Kardec, ao elaborar O Evangelho segundo o Espiritismo (1864), teve o cuidado de utilizar apenas essa parte do Novo Testamento.
É tão fulgurante a palavra de Jesus, são tão subli­mes seus exemplos, sobre os quais há unanimidade narra­tiva, que nos diz a razão que os textos do Novo Testa­mento, apesar de todas as retificações, trazem em seu bojo a luz incomparável do Mestre.
De tamanha magnitude é essa luz que atravessa todas as brumas do pensamento, sobrevive a todas as revisões e projeta suas claridades através dos milênios, nada ha­vendo, em todo o Universo, que a possa embaçar.
(Notas extraídas do meu livro “Fragmentos da História pela ótica espírita”, cap. 2, 1996, Ed.Petit (SP/SP) – Edição esgotada, mas em e-book grátis no meu blog e na EVOC.



[1] - “Cristianismo e Espiritismo, Léon Denis, Cap. II (Autenticidade dos Evangelhos), p. 31-32, 9ª Ed., 1992, FEB.
[2] - Citação em “Obras de São Jerônimo”, Ed. Beneditinos, 1693, t. I, col. 1425  (constante da p. 32 do livro de Léon Denis “Cristianismo e Espiritismo”, já citado).

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