terça-feira, 8 de dezembro de 2015

Conto - Ainda acontece...



Fraternos companheiros:
Androlau Tadeu era um homem bom.
Desde criança aprendeu a humilde profissão de apanhar árvores e aparelhar toras, para serem usadas em toscas embarcações de pesca que seu pai fabricava, com ajuda de um seu vizinho, assim como ele, carpinteiro também.
Androlau aprendeu bem essa profissão.
Quando cresceu sucedeu a seu pai e ficou famoso, sendo paciente e bondoso ao ensinar a jovens de sua cidade aquela mesma profissão.
Nunca havia compreendido bem de que maneira aquela família sua vizinha viera ter à cidade.  Só sabia que o chefe da família, com vários filhos, era amigo do seu pai.
Assim, os filhos do vizinho eram bem tratados em sua casa, principalmente um jovem que desde muito cedo, conquanto ajudasse o pai na carpintaria, demonstrava nos atos, palavras e exemplos, inigualável  superioridade moral.
Androlau, surpreso, viu esse jovem crescer e tornar-se, segundo sua ótica, desagregador dos costumes religiosos. Isso despertava a fúria das autoridades governamentais romanas, que determinaram aos seus militares que castigassem pública e exemplarmente os então considerados arruaceiros, seguidores daquele jovem de olhar incrivelmente brilhante e sereno.
Androlau, que protegera muitos daqueles seguidores, os quais haviam crescido sob suas vistas, arrumou suas coisas, reuniu a família e mudou-se para outra cidade, não muito distante. Lá, na busca de milagres, procurou desenvolver junto com outros estudiosos, condições anormais de práticas espirituais, não ligadas a fórmulas, rituais e processos ocultos.  Julgava-se a caminho da salvação eterna. Vez por outra ouvia dizer dos antigos concidadãos, que segundo a voz popular, cada vez mais irritavam o governo, já que promoviam curas e milagres...
Para ele, os milagres não chegaram...
Alcançado por inesperada crise, de homem abastado, bem posto profissionalmente, aos poucos Androlau foi perdendo tudo: dinheiro, clientes, ânimo, família, a própria crença.  Só se reanimou quando recebeu encomenda do poder oficial para construir algumas dezenas de cruzes, em madeira forte.  Construiu-as.  Foram elas levadas para sua cidade natal.
Com as finanças momentaneamente equilibradas, decidiu, mais a título de curiosidade do que na verdade rever parentes, ir até as festividades da Páscoa, em Jerusalém.
Chegou alguns dias antes e, perplexo, viu muitos dos seus conhecidos submetidos a julgamentos severos, sendo que o líder, outro não era senão o jovem de olhar firme e luminoso.  Aquele ex-vizinho, após processo público, fora condenado ao suplício da crucificação.
As cruzes que Androlau fabricara serviram ao propósito da justiça romana...
Androlau, atordoado, no passar dos anos, só se acalmou intimamente quando certa noite, na véspera da sua desencarnação, teve um sonho maravilhoso: um anjo do Senhor lhe disse, com efeito, que ele procurara distante a bênção que a Vida pusera ao seu lado — o jovem vizinho —, cuja missão era ofertar exemplos de milagres que só o Amor produz; mas que não desanimasse, já que graças à imortalidade, provavelmente depois de mais de vinte séculos voltaria a ver, face a face, aquele olhar, que nem todos os milênios do infinito conseguiriam apagar da lembrança de quem os houvesse um dia visto...


(Texto do Espírito Nazaré, psicografia de E.Kühl, no seu livro "Âncoras de Luz", 2003, Editora LEB, Bagé/RS  -  edição esgotada, mas em e-book grátis, no seu blog).

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