Lembro-me que, anos atrás, quando foi publicado meu livro “Animais:
Amor e Respeito” (edição esgotada), anotei que para 1993 houve previsão de 112
“Festas do Peão”, isso só no Estado de S.Paulo (“Folha de S.Paulo”, 02.Mar.93). Já em 05.Março.1997, a mesma Folha de S.Paulo noticiou a programação
anual de 1.200 provas pelo interior do país, existindo 105 estádios exclusivos
para rodeios no Brasil, para um público estimado em 24 milhões.
A revista VEJA, de 19.Maio.1999 registrou a programação anual de
rodeios para 1999: 1380, para um público rural estimado em 27 milhões.
Hoje, em termos de rodeios pelo Brasil, já nem sei mais quantos... Rápida
visita à internet informa a “Agenda dos Rodeios” para o ano: em 2015, foram
centenas. Em Fev.2016, dezenas e dezenas já programadas, ainda sem contagem
final.
Segundo nota de 2011 da ANDA (Agência de Notícias de Defesa dos
Animais), levantamento feito por entidades de proteção animal a pedido do
jornal Folha de S.Paulo apontou que,
naquele ano, a atividade era proibida em pelo menos 35 municípios do Estado de
S.Paulo, incluindo a capital.
Uma pesquisa junto à internet demonstrará em quais cidades do Estado de
S.Paulo e de outros Estados estão proibidos: o rodeio, a vaquejada, o bulldog e outras atividades que causam
maus tratos aos animais.
Em Barretos/SP, em particular, todos os anos, normalmente em agosto, no
monumental Parque do Peão — projetado por Oscar Niemayer —, acontece a “Festa do Peão de Boiadeiro” que normalmente é
assistida por público de todo o Brasil.
Público, como citei, na casa de milhões. Sucesso garantido...
— Mas, afinal, o que são rodeios?
— Rodeios utilizam cavalos e bois e na verdade são simulacros de
touradas, as quais são proibidas no território nacional, face o Decreto Federal
24.645/34, em vigor.
A Portaria n° 14, de 17.Jul.84, da “Comissão Coordenadora da Criação do
Cavalo Nacional”, subordinada ao Ministério da Agricultura, prescreve as normas
que devem ser obedecidas em rodeios e vaquejadas.
Maus tratos são sumariamente condenados. A retórica é bela.
Se o dispositivo legal protege o animal, não é isso o que acontece na
prática... O rodeio simula a doma de cavalos indomáveis, o que é falso, pois os
mesmos já são mansos. Quanto aos bois, é inacreditável seu emprego, pois não
são animais de montaria.
Três perguntas que não querem calar:
— Para quê os peões montam bois, "visando amansá-los", se
desde os tempos antigos sabe-se que não são animais adequados para isso?
— Alguém tem notícia de que para campear animais perdidos ou
extraviados ou mesmo para tocar boiadas, os peões utilizam bois como montaria?
— Por que só são usados animais machos?...
Os maus-tratos aos animais
(cavalos e bois) se caracterizam pelo uso do sedém (espécie de corda amarrada na parte traseira dos animais,
havendo polêmica se por vezes comprime os órgãos genitais): quando a corda é
bruscamente comprimida, no instante da largada, os animais sentem dor intensa,
daí, seus desesperados corcovos (saltos, pinotes); há polêmica também se o
sedém provoca dor ou cócegas intensas...
Observe-se que os animais, até então calmos, só quando o sedém é
repentinamente apertado, simultaneamente com a abertura do brete (dispositivo
para conter o animal), entram em desespero; enganosamente, tal é tido à conta
de indomabilidade...
O rodeio não é de origem nem da cultura brasileira: veio da América do
Norte e infelizmente, entre nós, já tomou foros de acontecimento nacional.
Inclusive, em 2005 o rodeio até foi incluído no roteiro da novela
global “América”, levada ao lar dos telespectadores de todo o Brasil. Não sei
se me engano, mas isso teria feito proliferar as festas dos rodeios.
Que ninguém se engane quanto a uma tristeza: quando a festa do rodeio
termina e os alegres assistentes vão para suas casas (ou para as choperias),
desconhecem os dramas que ali iniciaram: sempre ficam peões machucados, não
raro com fraturas graves; outros peões, frustrados, veem esboroar, em segundos,
sonhos de emancipação financeira, glória e fama, acalentados o ano todo; quanto
aos animais utilizados, sequelas nas virilhas são testemunhas eloquentes da
crueldade por que passaram; dali para frente, seu comportamento nunca mais será
o mesmo, tornando-se assustadiços.
— O que esperar de um povo que se diverte com isso?
— Essa é a gratidão humana por sabidamente terem esses animais
alavancado o progresso do mundo, graciosamente doando sua grande força?
A Lei Federal 9.615, de 24.Março.98
estabelece o desporto brasileiro como um direito individual, normatizando sua
prática. Em nenhum momento cita animais, menos ainda rodeios... Não obstante, na esteira desse dispositivo
legal, tramitou na Câmara dos Deputados (Maio/99) um projeto tratando da
regulamentação da profissão do peão de rodeio.
A Lei Federal n° 10.519, de Julho/2002
dispõe sobre a promoção e a fiscalização da defesa sanitária animal quando da
realização de rodeios e dá outras providências. Multas, previstas nessa lei,
são irrisórias (em até R$5.320,00...).
Nessa mesma lei há obrigação dos
organizadores do rodeio de contratarem seguro pessoal de vida e invalidez
permanente ou temporária, em favor dos profissionais do rodeio: peões de
boiadeiro, “madrinheiros”, “salva-vidas”, domadores, porteiros, juízes e até os
locutores. Além dessa obrigação, deverão também manter infra-estrutura completa
para atendimento médico, com ambulância de plantão e equipe de primeiros
socorros, com presença obrigatória de clínico geral.
Perguntamos: para quê todo esse cuidado,
senão porque rodeios são efetivamente atividade perigosa para seus praticantes
e assemelhados?
Até para os assistentes... Em 1997, em Ribeirão Preto/SP, um touro escapou da arena de rodeio,
saltou a cerca de proteção (1,85m de altura) e feriu sete pessoas. Por liminar
impetrada pelo promotor de Justiça do Meio Ambiente, naquele rodeio nenhum
animal estava com o cruel sedém. O touro que fugiu estava estressado, como,
aliás, todos os animais que participam dos rodeios, pois cavalos e bois não
foram criados por Deus para divertir pessoas em arenas barulhentas, muitas
vezes em horários noturnos.
Também é de se perguntar: como ficará o
aspecto legal dessa prática importada da América do Norte (surgiu lá, na época
da colonização), em face do Art. 3°, Inciso I, do Decreto Federal n° 24.645, de
10.Julho.1934, assinado pelo saudoso Getúlio Vargas:
(...) Art. 3° - Consideram-se maus-tratos ;
(...) I - praticar ato de abuso ou crueldade em qualquer animal.
Por esse Decreto todos os animais
existentes no país são tutelados do Estado, sendo definido, em 19 artigos e em
31 itens, o que deve ser considerado maus tratos a eles. O Decreto determina às
autoridades federais, estaduais e municipais, cooperarem com os membros das
sociedades protetoras de animais, no cumprimento da lei.
Ora: sabidamente, dos
rodeios resultam quase sempre animais feridos, sendo também certo que todos
os animais de rodeio têm o comportamento alterado, pela atividade altamente
estressante, realizada em horários e ambientes impróprios à natureza deles.
— Como isso pode ser
diagnosticado?
— Simples: basta
observar-lhes as pupilas...
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NOTA: Na internet, no site abaixo, há minucioso “Parecer Jurídico”,
datado de 2009, versando sobre Utilização de animais em rodeios:
- Utilização de Animais
em Rodeios - Instituto Cisalpina
institutocisalpina.com/rodeios.pdf
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