sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Artigo - Rodeios


Lembro-me que, anos atrás, quando foi publicado meu livro “Animais: Amor e Respeito” (edição esgotada), anotei que para 1993 houve previsão de 112 “Festas do Peão”, isso só no Estado de S.Paulo (“Folha de S.Paulo”, 02.Mar.93). Já em 05.Março.1997, a mesma Folha de S.Paulo noticiou a programação anual de 1.200 provas pelo interior do país, existindo 105 estádios exclusivos para rodeios no Brasil, para um público estimado em 24 milhões.
A revista VEJA, de 19.Maio.1999 registrou a programação anual de rodeios para 1999: 1380, para um público rural estimado em 27 milhões.
Hoje, em termos de rodeios pelo Brasil, já nem sei mais quantos... Rápida visita à internet informa a “Agenda dos Rodeios” para o ano: em 2015, foram centenas. Em Fev.2016, dezenas e dezenas já programadas, ainda sem contagem final.
Segundo nota de 2011 da ANDA (Agência de Notícias de Defesa dos Animais), levantamento feito por entidades de proteção animal a pedido do jornal Folha de S.Paulo apontou que, naquele ano, a atividade era proibida em pelo menos 35 municípios do Estado de S.Paulo, incluindo a capital.
Uma pesquisa junto à internet demonstrará em quais cidades do Estado de S.Paulo e de outros Estados estão proibidos: o rodeio, a vaquejada, o bulldog e outras atividades que causam maus tratos aos animais.
Em Barretos/SP, em particular, todos os anos, normalmente em agosto, no monumental Parque do Peão — projetado por Oscar Niemayer —, acontece a  “Festa do Peão de Boiadeiro” que normalmente é assistida por público de todo o Brasil.
Público, como citei, na casa de milhões. Sucesso garantido...
— Mas, afinal, o que são rodeios?
— Rodeios utilizam cavalos e bois e na verdade são simulacros de touradas, as quais são proibidas no território nacional, face o Decreto Federal 24.645/34, em vigor.
A Portaria n° 14, de 17.Jul.84, da “Comissão Coordenadora da Criação do Cavalo Nacional”, subordinada ao Ministério da Agricultura, prescreve as normas que devem ser obedecidas em rodeios e vaquejadas.
Maus tratos são sumariamente condenados. A retórica é bela.
Se o dispositivo legal protege o animal, não é isso o que acontece na prática... O rodeio simula a doma de cavalos indomáveis, o que é falso, pois os mesmos já são mansos. Quanto aos bois, é inacreditável seu emprego, pois não são animais de montaria.
Três perguntas que não querem calar:
— Para quê os peões montam bois, "visando amansá-los", se desde os tempos antigos sabe-se que não são animais adequados para isso?
— Alguém tem notícia de que para campear animais perdidos ou extraviados ou mesmo para tocar boiadas, os peões utilizam bois como montaria?
— Por que só são usados animais machos?...
 Os maus-tratos aos animais (cavalos e bois) se caracterizam pelo uso do sedém (espécie de corda amarrada na parte traseira dos animais, havendo polêmica se por vezes comprime os órgãos genitais): quando a corda é bruscamente comprimida, no instante da largada, os animais sentem dor intensa, daí, seus desesperados corcovos (saltos, pinotes); há polêmica também se o sedém provoca dor ou cócegas intensas...
Observe-se que os animais, até então calmos, só quando o sedém é repentinamente apertado, simultaneamente com a abertura do brete (dispositivo para conter o animal), entram em desespero; enganosamente, tal é tido à conta de indomabilidade...
O rodeio não é de origem nem da cultura brasileira: veio da América do Norte e infelizmente, entre nós, já tomou foros de acontecimento nacional.
Inclusive, em 2005 o rodeio até foi incluído no roteiro da novela global “América”, levada ao lar dos telespectadores de todo o Brasil. Não sei se me engano, mas isso teria feito proliferar as festas dos rodeios.
Que ninguém se engane quanto a uma tristeza: quando a festa do rodeio termina e os alegres assistentes vão para suas casas (ou para as choperias), desconhecem os dramas que ali iniciaram: sempre ficam peões machucados, não raro com fraturas graves; outros peões, frustrados, veem esboroar, em segundos, sonhos de emancipação financeira, glória e fama, acalentados o ano todo; quanto aos animais utilizados, sequelas nas virilhas são testemunhas eloquentes da crueldade por que passaram; dali para frente, seu comportamento nunca mais será o mesmo, tornando-se assustadiços.
— O que esperar de um povo que se diverte com isso?
— Essa é a gratidão humana por sabidamente terem esses animais alavancado o progresso do mundo, graciosamente doando sua grande força?
A Lei Federal 9.615, de 24.Março.98 estabelece o desporto brasileiro como um direito individual, normatizando sua prática. Em nenhum momento cita animais, menos ainda rodeios...  Não obstante, na esteira desse dispositivo legal, tramitou na Câmara dos Deputados (Maio/99) um projeto tratando da regulamentação da profissão do peão de rodeio.
A Lei Federal n° 10.519, de Julho/2002 dispõe sobre a promoção e a fiscalização da defesa sanitária animal quando da realização de rodeios e dá outras providências. Multas, previstas nessa lei, são irrisórias (em até R$5.320,00...).
Nessa mesma lei há obrigação dos organizadores do rodeio de contratarem seguro pessoal de vida e invalidez permanente ou temporária, em favor dos profissionais do rodeio: peões de boiadeiro, “madrinheiros”, “salva-vidas”, domadores, porteiros, juízes e até os locutores. Além dessa obrigação, deverão também manter infra-estrutura completa para atendimento médico, com ambulância de plantão e equipe de primeiros socorros, com presença obrigatória de clínico geral.
Perguntamos: para quê todo esse cuidado, senão porque rodeios são efetivamente atividade perigosa para seus praticantes e assemelhados?
Até para os assistentes... Em 1997, em Ribeirão Preto/SP, um touro escapou da arena de rodeio, saltou a cerca de proteção (1,85m de altura) e feriu sete pessoas. Por liminar impetrada pelo promotor de Justiça do Meio Ambiente, naquele rodeio nenhum animal estava com o cruel sedém. O touro que fugiu estava estressado, como, aliás, todos os animais que participam dos rodeios, pois cavalos e bois não foram criados por Deus para divertir pessoas em arenas barulhentas, muitas vezes em horários noturnos.
Também é de se perguntar: como ficará o aspecto legal dessa prática importada da América do Norte (surgiu lá, na época da colonização), em face do Art. 3°, Inciso I, do Decreto Federal n° 24.645, de 10.Julho.1934, assinado pelo saudoso Getúlio Vargas:
(...) Art. 3° - Consideram-se maus-tratos ;
(...) I - praticar ato de abuso ou crueldade em qualquer animal.
Por esse Decreto todos os animais existentes no país são tutelados do Estado, sendo definido, em 19 artigos e em 31 itens, o que deve ser considerado maus tratos a eles. O Decreto determina às autoridades federais, estaduais e municipais, cooperarem com os membros das sociedades protetoras de animais, no cumprimento da lei.
Ora: sabidamente, dos rodeios resultam quase sempre animais feridos, sendo também certo que todos os animais de rodeio têm o comportamento alterado, pela atividade altamente estressante, realizada em horários e ambientes impróprios à natureza deles.
— Como isso pode ser diagnosticado?
— Simples: basta observar-lhes as pupilas...

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NOTA: Na internet, no site abaixo, há minucioso “Parecer Jurídico”, datado de 2009, versando sobre Utilização de animais em rodeios:

-  Utilização de Animais em Rodeios - Instituto Cisalpina

institutocisalpina.com/rodeios.pdf

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